Letras grandes e letras pequenas
pequenos nadas
A
B Q O..M
a,b,c,d,e,f,g,h.
Não sou jornalista. Pouco percebo sobre as suas técnicas. No entanto, sou leitor assíduo e diário de jornais e colaboro com um jornal centenário de Coimbra. Tais factos dão-me, pelo menos, a faculdade de ser crítico.
Verifico, com frequência, que as primeiras páginas de alguns jornais são apelativas, mas quase sempre pouco consistentes em termos de veracidade factual. Tudo é explicitado em letras BEM GRANDES. A estratégia serve, quantas vezes, para cultivar a compra [os exemplos mais flagrantes são os jornais desportivos], incentivar os incautos e menos cultos à especulação e os mais cultos à indignação imediata.
O que é mais grave é ler, noutro local, já a LETRA PEQUENA, o seguimento da notícia, e constatar que pouco mais informa ou já a desenvolve com um formato menos propagandístico ou desinformativo, deixando o leitor desvanecido.
Há uma enormidade de casos, mas vou reportar-me a um exemplo que colhi, num dos jornais de Coimbra, em 8 de Janeiro de 2018.
A LETRAS BEM GRANDES dizia-se na primeira página: “Câmara Municipal de Coimbra aprova hoje projecto para novo Portugal dos Pequenitos”. Ao ler fiquei preocupado e perguntei-me: para quê um novo, para quê desconjuntar uma obra já visitada por milhões de visitantes portugueses e estrangeiros…? um novo para fazer frente ao velho…? um novo para representar o presente, abandonando as memórias do passado, enjeitando o que é velho mas sempre novo?
Levo os meus olhos a correr a página e, mais a baixo, o discurso da notícia serenou a minha consciência. Li então a letras muito mais PEQUENAS: “o executivo da Câmara de Coimbra deverá aprovar, hoje, o projecto da nova entrada para o Portugal dos Pequenitos, apresentado pela Fundação Bissaya Barreto”.
Aliviado estou.
A dicotomia letras GRANDES – letras PEQUENAS mete-se comigo, indigna-me. Olho para contratos bancários, de seguros, de energias diversas, empresas de televisão por cabo, internet e quejandas, e reparo nos discursos longos dos contratos, com linguagem hermética, cujo suporte está plasmado em letras MUITO PEQUENAS que muitos não conseguem ler nem entender.
Indigno-me contra este comportamento dessas grandes empresas que tudo podem e ninguém afronta. Eu vou falando, dizendo, protestando, mas aonde chega a minha voz?
No último contrato que me foi apresentado pela empresa fornecedora de energia, fui assoberbado com 14 páginas enviadas através da Internet, repletas de linguagem obscura e pouco cuidada. Comecei a pensar nas velhas e velhos deste país, arrumados nas periferias pobres e lúgubres, e escrevi aos responsáveis: “…indigna-me, veementemente, a forma como estes contratos são apresentados aos utentes. A linguagem imperceptível e misteriosa, para leigos, deixa-me com vontade de apresentar queixa às entidades reguladoras. Mas para quê? Que posso eu contra o poder inimaginável destas empresas? Que podem aquelas? E já agora, que podem os governos?
Pergunto-me como será possível pessoas idosas, situadas nos subúrbios deste país dissemelhante, com baixas escolaridades e competências ao nível da compreensão textual, consigam assinar, responsavelmente, tanto papel com demência discursiva.”
Não possuo a certeza, mas tenho a convicção de que mais uma vez são discriminadas. Não são só os fogos não!...OS FOGOS E TUDO O MAIS…